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A viticultura do Douro

27/12/2003
A viticultura do Douro

A Viticultura do Douro não pode deixar de ser tida como o exemplo mais vivo da perfeita simbiose entre agricultura e meio ambiente.


Para que isso tenha sido possível nas encostas alcantiladas do Douro e dos seus afluentes, o Homem teve de construir mais de dois milhares de quilómetros de muros, criando os tradicionais “calços ou socalcos" e, neles, do “xisto-pedra" fazer terra onde vingassem os bacelos, para hoje podermos desfrutar da paisagem maravilhosa e inigualável - que é Património Mundial - onde se produzem vinhos afamados.

Dele, do Douro, diz-nos João de Araújo Correia: “O holandês subtraiu ao mar a terra que o sustenta; o duriense arrancou-a, palmo a palmo, a uma natureza tão brava como o mar", ou ainda, segundo Miguel Torga, “E (o Douro) é, no mapa da pequenez que nos coube, a única evidência incomensurável com que podemos assombrar o Mundo".

O Douro é uma região vitícola em que a paisagem se identifica com o seu rio, em cujas encostas prevalece a monocultura de um vinho fino – o Vinho do Porto – e de um outro não menos nobre – o Douro – tirando proveito de um micro clima de características mediterrânicas e da natureza xistosa dos seus solos.

Trata-se, pois, de uma paisagem com características peculiares que o homem duriense soube, não só preservar, como valorizar ao longo de muitas “gerações de sacrifício". A sua capacidade de resistência e a vontade de vencer estão bem patentes não só no esforço e dureza dos trabalhos associados à plantação das vinhas (em que os Galegos tiveram também papel preponderante) em condições de relevo agressivas e ainda no transporte das pipas nos barcos “rabelo" com condições de incomodidade e de risco até ao cais da Ribeira em Vila Nova de Gaia, como ainda na teimosia, determinação, capacidade de sofrimento e resistência que são, entre outros, atributos de um Homem que se não deixou soçobrar à razia provocada pelo aparecimento e rápida expansão da filoxera em 1868, reabilitando uma paisagem e um produto que são, hoje, uma das maiores referências do nosso País.

Para se avaliar o que foi tal luta contra essa praga, basta referir Paulino de Oliveira que nos relata: em 1880, já atacados todos os vinhedos do Alto Douro, com excepção dos de Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta, Mesão Frio e Resende, o decréscimo da produção da Região cifra-se em 30 mil pipas, ou seja um terço da produção anterior à filoxera; ou ainda referir que na Quinta dos Montes ou Azinheira, em Gouvinhas, a primeira onde terá surgido a praga, a qual costumava produzir 60 a 70 pipas, começou por baixar para 55 pipas, no ano seguinte para cerca de 19 pipas e nos seguintes, respectivamente para 8 pipas e, logo a seguir, para 1 pipa de produção!
Calcula-se que 15 mil hectares de vinha ficaram assim destruídos.

Nem o tabaco, cultura de substituição que na circunscrição da Régua chegou produzir 30 milhões de folhas, em Vila Real 15 milhões, em Santa Marta 5 milhões, em Armamar 3,7 milhões e em Sabrosa 2,9 milhões, foi bastante para resolver a crise do Douro, se bem que 700 a 800 mil quilos de tabaco pudessem equivaler, na altura a 400 reis, a 10 mil pipas de vinho.

Só a tenacidade e teimosia do Homem do Douro a venceu, a partir da altura em que Joaquim Pinheiro de Azevedo Leite Pereira, nas suas propriedades de Sabrosa, conseguiu descobrir o antídoto para tal praga: a enxertia das castas europeias em bacelo americano.

Mas foi sol de pouca dura para os problemas dos Viticultores; tinham acabado de vencer a Filoxera, mas, logo em 1893, surgem os ataques de uma nova doença desconhecida – o Míldio da videira. E a grande verdade é que, se a Filoxera “se foi"…, hoje ele tem ainda de viver e saber conviver com aquela nova praga; com fungicidas de contacto, como era o sulfato de cobre, ou, progressivamente, com os sistémicos, os de dupla acção, os penetrantes, etc.

No Douro convergem, para além deste espírito dos seus naturais, outros três elementos essenciais à criação das condições naturais para o surgimento deste produto ímpar e inigualável que é o Vinho do Porto e que tão bem João de Araújo Correia, escritor duriense contemporâneo descreve neste seu poema: “Tem montes e montes a crescer/Videiras que ninguém pode contar/Oliveiras que vivem a rezar/E um rio que não para de correr.

Região de monocultura, onde apenas a oliveira e algumas fruteiras aparecem associadas aqui ou além para a produção de azeite e fruta para auto consumo, a vinha representa cerca de 45 mil hectares, sendo cultivada por aproximadamente 30 mil viticultores.

À monocultura estão associadas ainda as características de Viticultura de montanha, com elevadíssimos custos de instalação e granjeio, de minifúndio já que cada viticultor possui em média pouco mais de um hectare distribuído por três parcelas distintas e de baixíssimo rendimento da ordem de 30 hectolitros por hectare e ainda da inexistência de qualquer outra alternativa cultural (vulgarmente, do Douro, diz-se que ele ou dá videiras ou dá pedras).

Pode ainda referir-se o peso das pequenas explorações (até dois hectares) representam 52% do total, embora não ocupem mais do que 14% da área de vinha; o escalão entre 2 e 10 hectares integra 40% das explorações e representa 44 % da área total de vinha; e finalmente o escalão com mais de 10 hectares que não representa mais do que 7%, embora signifique 42% da área total de vinha da Região.

No Douro produzem-se vários tipos de vinho; o Vinho do Porto que representa, em anos normais cerca de 50% da produção total da Região, cuja elaboração é contingentada por decisão anual do Conselho Interprofissional, sendo o volume fixado para cada vindima distribuído por cada parcela com direito à Denominação de Origem em função da sua área e da sua classificação obtida por Método específico associado ao cadastro das vinhas da Casa do Douro que se mantém em permanente actualização; o Moscatel, outro vinho licoroso produzido com a casta Moscatel Galego nas zonas planálticas especialmente do concelho de Alijó, acima dos 500 metros de altitude; o Douro – VQPRD que pode ser também comercializado sob a forma de espumante; e ainda os Vinhos Regionais, comercializados sob a designação Terras Durienses.

Quanto à comercialização destes produtos, os cerca de 800 mil hectolitros de venda anual de Vinho do Porto, cujo principal mercado é a França, vão ainda para outros mercados tais como, por ordem de grandeza, a Holanda, a Bélgica, a Inglaterra, ocupando o mercado nacional apenas o quinto ou sexto lugar. Cerca de 90% dos vinhos são comercializados pelas tradicionais Firmas Exportadoras, representando a quota de mercado das Adegas Cooperativas e dos Produtores Engarrafadores pouco mais de 7%.
O Moscatel, em cuja comercialização as Adegas Cooperativas detêm quase a exclusividade da comercialização não representa mais do que 25 mil hl.

A Denominação Douro, regulamentada apenas a partir de 1982, representa um volume de certificação anual de cerca de 200 mil hectolitros e é comercializada respectivamente e por ordem decrescente de volume por Comerciantes, Adegas Cooperativas e Produtores Engarrafadores.
Trata-se ainda de uma Região que emprega na agricultura 47,5% da sua população, onde é difícil sobreviver e que, para além disso, apresenta dados sócio-económicos preocupantes no que respeita ao envelhecimento da população – a população com menos de 15 anos ficou reduzida em 45% de 1970 a 1991, enquanto que a de mais de 60 anos aumentou 35% no mesmo período. A taxa de natalidade em 1990 era de 11,5% e a de mortalidade 12,2 %. O analfabetismo atinge 18,2%, havendo concelhos que se aproximam dos 30%, com mão-de-obra pouco qualificada, muito baixo dinamismo económico de base industrial e, pelo contrário, elevado índice de ruralidade que pode ser atestado pelo facto de se verificar que não só cerca de 50% da população vive em aglomerados com menos de 500 habitantes como, por outro lado, em três centros – Lamego, Vila Real e Peso da Régua – se localiza