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As mudanças climáticas e a cultura da vinha!

07/01/2010, Yvon Bugaret - Ex-engº I.N.R.A.
As mudanças climáticas e a cultura da vinha!


Esta comunicação foi apresentada pelos autor na Conferência Ibérica de Viticultura e Enologia, que se realizou no Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa (Portugal) 11 a 13 de Novembro de 2009 e para o qual foi convidado pela Bayer CS, na qualidade de patrocinador oficial do evento.

As mudanças climáticas

Há mais de 30 anos que as mudanças climáticas têm originado uma crescente tomada de consciência global, revelando claramente a noção de uma boa parte da responsabilidade da actividade humana neste fenómeno. De acordo com os cenários apresentados por inúmeros peritos internacionais, devemos esperar um aumento das temperaturas médias do planeta de 2º a 6º C e uma redução significativa da pluviosidade até ao fim deste século. A pluviosidade será cada vez mais irregular e muito contrastante, prevendo-se um aumento para as regiões de clima mais húmido e uma diminuição para as regiões de clima mais seco. A Península Ibérica, o sul de França, a Itália e a África do Norte serão severamente atingidas.

Inúmeros estudos científicos apresentam regularmente resultados alarmantes que não podem mais ser contestados. Com efeito, certos modelos de previsão climática demonstram que o aquecimento global irá acelerar-se a partir de 2050.

QUE FUTURO PARA A NOSSA VITICULTURA?

Se o constatado processo de aquecimento global não for travado é evidente que o futuro de algumas produções agrícolas poderá estar em causa, ou seja, daqui a 20 ou 30 anos. Na viticultura, sabe-se hoje que uma vinha plantada actualmente tem uma duração de vida de cerca de 30 a 60 anos. O que se passará no decurso da vida desta vinha? Devemos colocar a mesma questão para as outras culturas, bem como para a vida do homem, que deverão fazer face a uma escassez de água, fonte da vida para toda a Humanidade. O Secretário da Convenção da ONU anunciou, no fim da 9ª Conferência da Organização Internacional de luta contra a desertificação, que cerca de 70% do planeta poderá ser atingido pela seca a partir de 2050, caso não seja aplicada uma política séria para a combater.

AS ACTUAIS ÁREAS DE PRODUÇÃO VITÍCOLA NA EUROPA DEVERÃO DESLOCAR-SE

Os estudos em curso demonstram que uma subida de 1ºC nas temperaturas médias originará uma deslocação climática de cerca de 180 km em direcção aos pólos. De acordo com as previsões mais pessimistas, as latitudes extremas da viticultura, que em 1980 se situavam a 50 º norte e 40º sul, podem deslocar-se, no fim do séc. 21 com a hipótese de aquecimento global (+4 a +6°C.), para 60° norte e 50° sul. Estes 10°C de latitude suplementares correspondem a uma progressão de mais de 1000 km em direcção aos pólos. As zonas vitícolas actuais serão as mais ameaçadas pelo aquecimento global.

Um estudo recente, efectuado na região de produção de Cognac (França), revelou uma evolução na precocidade das vindimas em 21 dias, ligada a um encurtamento do ciclo vegetativo, observado desde 1979. O mesmo fenómeno foi verificado numa vinha em Portugal próximo do Porto em Penafiel.

Não esperando pelo fim do séc. 21, as perspectivas de aquecimento global de pelo menos 3°C a partir do de 2050, tornaram-se uma preocupação para toda a fileira vitícola. Este cenário ameaça modificar profundamente os ciclos vegetativos dos actuais encepamentos. As características dos vinhos não serão as mesmas, os vinhos serão mais ricos em álcool, menos ácidos e com uma tipicidade muito diferente.

Certas zonas de produção em Espanha (Catalunha, Ribera del Douro, Mancha …), em Portugal (Alentejo, Algarve…) podem estar ameaçadas. O sul de França, a Itália e o Norte de África serão igualmente atingidas, com excepção das zonas vitícolas costeiras, pois a influência do mar poderá atenuar de forma não negligenciável os efeitos do aquecimento global.

A irrigação das vinhas é cada vez mais um método seguro e de reserva a considerar. Evidentemente que será necessário dar resposta ao défice hídrico dos solos, efectuando correcções hídricas moderadas racionalizadas através de modelos matemáticos adaptados, permitindo fazer face aos problemas da cultura.


CONSEQUÊNCIAS DO AQUECIMENTO GLOBAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO DAS DOENÇAS DA VINHA

Os Invernos cada vez mais suaves e chuvosos favorecem as formas de conservação dos parasitas, produzindo uma forte agressividade dos ataques primários, cada vez mais precoces. O risco de desenvolvimento explosivo das principais doenças poderá estar concentrado entre o abrolhamento e a floração, período vegetativo de crescimento rápido e de grande receptividade da videira. Este cenário necessitará da aplicação de conceitos de produção e protecção integrada racional, e melhor adaptadas do que actualmente.

Este período de risco extremo para a vinha deverá ser confrontado com um forte ataque de doenças criptogâmicas, nomeadamente de três doenças devastadoras: a escoriose, o míldio e o oídio. Como se devem preparar os viticultores, já hoje em dia, para controlar a evolução futura destas doenças, limitando o impacto da luta química?


A ESCORIOSE

Esta doença manifesta-se na Primavera, na base dos ramos. Provoca danos visíveis na base dos jovens pâmpanos, em forma de necroses, manchas negras e lesões alargadas de cor castanho escura. A partir do Outono e durante o Inverno, os sarmentos afectados pela escoriose apresentam a casca esbranquiçada (branqueamento cortical) salpicada de pontos negros: os picnídios, que fecha o ciclo da doença.

Inúmeras variedades nobres poderão ser difíceis de plantar num futuro próximo, como a Touriga Nacional, a Fernão Pires e outras variedades consideradas muito sensíveis à escoriose em Portugal.

A racionalização da luta contra esta doença deve consistir na aplicação de uma regra de decisão que enquadra a aplicação racional dos tratamentos pós-abrolhamento contra a escoriose. Tal com demonstra o fig. 1, a decisão de intervenção depende de 3 indicadores de fácil aplicação:

1. Vinha receptiva quando uma percentagem definida dos gomos (20 a 40%) estão no estado sensível;

2. Estado sanitário por observação das cepas portadoras de necroses durante a poda;

3.Chuvas anunciadas capazes de assegurar um risco de contaminação.

Se um destes três indicadores não está presente, é inútil tratar. Caso contrário o viticultor deve se preparar para aplicar uma protecção preventiva racional.

O MÍLDIO

Trata-se da doença mais temida pelos viticultores, pois a sua virulência poderá representar um dos principais obstáculos à produção vitícola. Todos os órgãos verdes, não atempados, da videira são susceptíveis de serem atacados pelo míldio: folhas, flores, influorescências, pâmpanos e cachos. No final da época, no Outono, as folhas atacadas, apresentam pequenas manchas de cor amarela ou castanha avermelhada, de forma poligonal, limitadas às pequenas nervuras, com aspecto de mosaico é a face "míldio de mosaico", preparando a forma de conservação sexuada do parasita e assegurando a contaminação da doença de um ano para o outro.

Os Invernos mais chuvosos num futuro próximo deverão ser favoráveis a uma maturação dos ovos de Inverno (oósporos) muito mais agressiva. Os ataques precoces entre o estado de 3-5 folhas e a floração arriscam a ser mais virulentos do que sucede actualmente. A pressão parasitária sobre os cachos após o vingamento pode, no entanto, ser parada pelas altas temperaturas e seca durante o Verão. Contudo, temos de estar sempre vigilantes no que diz respeito há ocorrência de temporais de verão que podem relançar os ciclos epidémicos e favorecer a face "míldio de mosaico" em fim de estação.

A luta química, incontornável contra esta doença, deverá ser precedida de medidas profiláticas permitindo o não desenvolvimento dos ciclos epidémicos, tais como a limitação do vigor, eliminação dos focos de contaminação, praticar uma desfolhamento precoce no fim da floração….

Os meios profiláticos bem conduzidos não perm