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Vinho de Carcavelos

11/11/2011, Eng ª Estrela Carvalho (Quinta do Marquês)
Vinho de Carcavelos

Um Vinho a Conhecer, Apreciar e Beber.


"Rapaz, deita mais vinho
Vê se inda achas do doce Carcavelos
Garrafa nalgum canto"
Filinto Elísio

Foi no reinado de D. José I, que os vinhos portugueses, em particular os vinhos do Porto, de Carcavelos e de Bucelas mereceram uma especial atenção do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Marquês de Pombal e Conde de Oeiras.

Em 1759, na sua quinta em Oeiras, conhecida por Quinta do Marquês, dá início à construção da adega-celeiro, que segundo relatos da época possuía a capacidade de armazenar 900 pipas de vinho, chegando a produzir 3000 pipas por ano. A filoxera (1876), dizimou as vinhas da região de Carcavelos e, consequentemente, a produção de vinho passou a ser quase inexistente.

Actualmente a Quinta do Marquês é propriedade do Estado, onde se situa a ex-Estação Agronómica Nacional (ex-EAN), possuindo 12 hectares de vinha em plena produção. A parceria estabelecida com a Câmara Municipal de Oeiras (CMO), que assegura o financiamento vitícola e enológico, com recuperação de edifícios que foram adaptados a adega e cave de envelhecimento, plantação de vinha, manutenção de pessoal para trabalhos inerentes à produção, tem permitido recuperar o património do Carcavelos. Com a produção anual de 30 a 40000 litros de vinho e a comercialização do vinho pela CMO, o rapaz de Filinto Elísio não precisará de procurar "garrafa nalgum canto".

O Carcavelos é um vinho licoroso/generoso com direito à Denominação de Origem Controlada (DOC), isto é um VLQPRD – Vinho Licoroso de Qualidade Produzido em Região Determinada. O Decreto-Lei nº264/94 de 29 de Setembro define a Região Vitivinícola de Carcavelos de que fazem parte várias freguesias dos concelhos de Cascais e Oeiras, e estabelece as condições para a produção de Carcavelos DOC.

A nível vitícola, foram seleccionadas e resumidas algumas das obrigações decretadas, que se julgam as mais significativas:

SOLOS - vinhas instaladas em solos mediterrânicos vermelhos, de materiais calcários normais e barros castanho-avermelhados não calcários.

CLIMA - ameno de influência marítima, exposição Sul e ventos dominantes de Norte.

CASTAS - recomendadas (mínimo 75%): Brancas - Galego Dourado, Ratinho e Arinto; Tintas - Castelão e Amostrinha; autorizadas (máximo 25%): Brancas - Rabo de Ovelha e Seara Nova; Tintas - Trincadeira.

PRÁTICAS CULTURAIS – as vinhas devem ser conduzidas em forma baixa, em taça ou em cordão, e o início da vegetação das cepas não deve distar mais de 60 cm do solo. A densidade de plantação, em vinhas novas, deve ser no mínimo de 3300 pés por hectare.

RENDIMENTO POR HECTARE – máximo de 55 hectolitros de mosto.

Relativamente à parte enológica e de acordo com os objectivos deste artigo, dar a Conhecer o vinho de Carcavelos da Quinta do Marquês, abordaremos aspectos tecnológicos da vinificação, envelhecimento e prova organoléptica (análise sensorial). A Quinta do Marquês produz vinhos brancos (tradicionalmente estes seriam os vinhos de Carcavelos) e tintos (recentemente e em fase experimental de vinificação e envelhecimeno).

VINIFICAÇÃO

Para a qualidade do vinho, os aspectos já referidos de incidência vitícola, particularmente as "castas", são de grande importância nas várias etapas da vinificação e nas decisões a tomar pelo técnico responsável pela produção.

De acordo com a maturação técnica (tipo de vinho pretendido) e ou maturação fisiológica (momento em que as uvas atingem o seu tamanho máximo e também o maior teor de açúcares), é decidida a data de vindima, que se processa na Quinta do Marquês nos meses de Setembro/Outubro.

A vindima realiza-se manualmente, e a colheita é efectuada por casta e parcelas de acordo com os objectivos traçados para obtenção do produto final. Os mostos que se destinam à produção de vinhos licorosos são vinificados segundo a tecnologia clássica dos vinhos de mesa (brancos - "bica-aberta" e tintos - "curtimenta"). Contudo, os licorosos/generosos (Carcavelos, Madeira, Moscatel de Setúbal e Porto), distinguem-se dos vinhos de mesa, pela operação de abafamento (paragem de fermentação), com aguardente vínica, no processo fermentativo.

Na Quinta do Marquês, a condução da fermentação alcoólica do Carcavelos e o consequente abafamento, efectua-se criteriosamente de acordo com o vinho que se pretende obter, em teor alcoólico (varia entre 15 a 20 % v/v) e quantidade de açúcares, processando-se em diferentes fases: fermentação praticamente inexistente; fermentação incompleta; fermentação completa.

De acordo com o ano de colheita, tendo em conta a casta, maturação das uvas, processo de abafamento, características físico-químicas e organolépticas dos vinhos, procede-se a decisões quanto às etapas de lotagem e envelhecimento dos vinhos.

ENVELHECIMENTO

O envelhecimento do Carcavelos é fundamental para a qualidade do vinho. Na Quinta do Marquês, os vinhos envelhecem preferencialmente em cascos de madeira de carvalho francês (Limousin) e português, com capacidade de 225L, tratamento térmico de queima (tosta) "média" ou "forte" no seu fabrico.

Nos primeiros dois anos os vinhos envelhecem em madeira nova, sendo posteriormente transferidos para madeiras já usadas. O tempo de envelhecimento em madeira é determinado em função do tipo de vinho pretendido, com obrigatoriedade legislativa de pelo menos dois anos. Cumprida a etapa do envelhecimento, e após decisões sobre a lotagem de diferentes anos, casta, diferentes madeiras ou queima, o vinho é engarrafado onde tem de permanecer no minímo 6 meses, antes de poder ser consumido.

Apreciar

"Não é Madeira nem um Porto. É Carcavelos. O seu paladar, bouquet, côr, são característicos e inconfundíveis", Colaço Archer (1943).

A análise sensorial aos vinhos de Carcavelos da Quinta do Marquês, é diversificada de acordo com o tipo de vinho (doce, meio-doce, seco), com as características adquiridas ao longo do envelhecimento, das diferentes madeiras e tipo de queima, de vinho de uma só casta ou lote de diferentes castas, da mesma ou de diferentes idades e do ano de colheita. Ao longo destes anos, os vinhos brancos mais apreciados tem sido os provenientes de lote de várias castas, de diferentes idades, do tipo meio-doce, envelhecidos em madeira de carvalho francês com queima média, e com mais de 10 anos de envelhecimento.

Os descritores mais utilizados pelos provadores, são: Cor – amarelo dourado a topázio; Aroma – notas de madeira verde, herbáceo, fumo, especiarias, frutos secos, mel, baunilha, adocicado, aromas a madeira ligeira, a madeira, especiarias, torrado, baunilha e adocicado, aromas com evolução e complexidade, ranço bom, evoluído, complexo, persistente; Sabor – doce, meio doce, seco, aroma de boca a madeira nova, notas de fruto e herbáceo, macio, muito macio, com algum corpo e persistência, apresentando uma boa estrutura de boca, alguma complexidade, encorpado, aveludado, frutos secos, frutos vermelhos, boa acidez, complexo, persistente, evoluído.

Beber

Como aperitivo, de preferência brancos jovens, com 3 a 5/6 anos de envelhecimento. Servidos à temperatura de 10 a 12ºC.
Como digestivo, vinhos brancos ou tintos com as características dos descritores já referidos, mais relevantes de um Carcavelos, de idades superiores a 5/6 anos.

... e Comer

Alguns dos restaurantes do concelho de Oeiras, já utilizam na confeccão dos seus menús gastronómicos o vinho de Carcavelos. Aqui fica o nosso convite de uma ementa que foi experimentada e apresentada num debate sobre "O Vinho e a Cozinha Tradicional".

* Tábua de queijos (Azeitâo, Castelo Branco, Niza, Serra ...).
* Santola ou Sapateira recheada com um cálice de Carcavelos.
* Lulas estufadas ao Carcavelos.
* Carne de porco (pianolas, costeletas, lombo ...) assado no forno com borrifos de carcavelos.
* Maçã assada adoçada com Carcavelos.

Esta ementa deverá ser acompanhada com vinhos de Carcavelos brancos e tintos servidos como aperitivo (entradas), acompanhamento do prato de carne (tinto) e como digestivo à sobremesa.

Importância do Carcavelos – Uma Opinião

Recuperar um património como o Carcavelos-Quinta do Marquês, com produção quase inexistente, tem sido, um objectivo da Câmara Municipal de Oeiras e um desafio para os trabalhadores que se empenharam e abraçaram este projecto. A região demarcada e a produção dos seus vinhos contribui para valorizar a componente turística e social da região.

Reconhecido outrora, nacional e internacionalmente como um vinho de excelência, estamos certos, que em breve será preenchido o vazio desta raridade. Sendo os concelhos de Cascais e Oeiras previlegiados pela Natureza e Património Cultural, porque não, possuírem um Vinho Prestigiado que delicie os seus visitantes – O Carcavelos.

Eng. ª Estrela Carvalho
(Técnico Responsável pela produção de Carcavelos na Quinta do Marquês)


BIBLIOGRAFIA

Carvalho E., Canas S., Lisboa M. (2009). O Vinho de Carcavelos. Perspectiva histórica e a actual produção na Quinta do Marquês de Pombal em Oeiras. Câmara Municipal de Oeiras, Oeiras, 137 pp.

Vinho de Carcavelos
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