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A gestão das infestantes em vinha

11/11/2011, Prof. João Portugal (E.S.A. Beja)
A gestão das infestantes em vinha

"Duas vezes no ano a videira se cobre de sombra; duas vezes as ervas sufocam as cepas com espesso matagal; para remediar tais males é-se forçado a duras lides".
Vergílio



A agricultura constrói ecossistemas artificiais designados agroecossistemas, cuja manutenção obriga à adopção de medidas para impedir os naturais avanços da vegetação natural. A criação e manutenção das áreas agrícolas conduz à criação de novos nichos ecológicos aos quais se adaptam plantas com exigências ecológicas muito particulares - as infestantes.

Muitas das infestantes evoluíram por selecção a partir de plantas de ecossistemas naturais, em formas mais competitivas e adaptadas às condições prevalecentes nos agroecossistemas. Nas comunidades infestantes encontramos, em diferentes proporções, algumas espécies que provêm dos ecossistemas naturais locais e outras normalmente associadas especificamente aos agroecossistemas.

A vinha é um agrossistema há muito implantado no território nacional, incluindo os arquipélagos da Madeira e dos Açores. Na realidade a cultura desenvolve-se numa grande diversidade de condições edafo-climáticas e sujeita a práticas agronómicas também elas muito diversas. Como resultado desta diversidade bioecológica, o número de espécies que se encontram presentes nas vinhas portuguesas é muitíssimo elevado, mais de 600 taxa.

Quando se está perante uma situação de infestação de espécies adventícias podem ocorrer consequências benéficas ou prejudiciais para os agrossistemas. Entre outras acções benéficas devidas há presença das espontâneas apontam-se as
seguintes:

> redução da erosão dos solos, sobretudo em solos mais declivosos e mal estruturados;

> melhoramento da transitabilidade das máquinas agrícolas, nomeadamente as utilizadas para efectuar tratamentos fitossanitários;

> aumento da fertilidade dos solos, sobretudo quando a flora é constituída por leguminosas e são incorporadas no solo;

> funcionam, por vezes, como reservatório de auxiliares, podendo deste modo evitar a aplicação de tratamento(s) insecticidas;

> são hospedeiros alternativos e preferenciais de pragas, evitando que ataquem a cultura;

> melhoram a qualidade da produção, em períodos e em circunstâncias específicas;

> algumas espécies, ainda que em pequeno número, são usadas como aromáticas ou para fins medicinais. São apontados como acções prejudiciais:

> a diminuição da produção, uma vez que concorrem pela água e nutrientes, que pode atingir valores muito significativos, acima dos 50%;

> a diminuição da qualidade da produção,nomeadamente fazendo alterar parâmetros como o pH dos mostos, etc.;

> o aumento da incidência de doenças criptogâmicas
(e.g. míldio, podridão-cinzenta); sobretudo quando as densidades são muito altas, uma vez que fazem aumentar o teor de humidade junto da cultura;

> a interferência nas operações culturais, aumentando o tempo necessário para a sua execução;

> por vezes são hospedeiros de pragas, nomeadamente
de ácaros tetraniquídeos, e outras pragas polífagas, sobretudo durante o período de repouso vegetativo, permitindo a sobrevivência destes indivíduos nuns casos e
que prossigam o ciclo de vida noutros;

> são hospedeiros de doenças, nomeadamente de viroses e micoses, podendo aqui também completar o seus ciclos de vida. Assim, perante uma infestação de adventícias e tendo em consideração a relação benefícios/ prejuízos que estas causam, podem-se tomar as seguintes atitudes:

> não fazer nada, e deixar as plantas completarem o seu ciclo natural, uma vez que se considera que os benefícios superam os prejuízos. Esta opção radica sobretudo numa filosofia de vida, que não tem a ver com a rendibilidade económica da exploração, porquanto de acordo com os estudos realizados nesta área, os efeitos prejudiciais superam, largamente, os efeitos benéficos;

> proceder à sua erradicação total, eliminando todas as espécies do terreno uma vez que se considera não existir qualquer beneficio que justifique a sua presença. Esta opção, particularmente dispendiosa, além de ser de difícil execução, não encontra justificação do ponto de vista económico. Em rigor, a erradicação apenas se aplica em situações muito especiais, o que acontece quando se está na presença de infestantes recém introduzidas, muito agressivas e com distribuição específica;

> admitir a presença das infestantes, em número e por períodos de tempo que permitam retirar partido dos seus aspectos benéficos, não na sua totalidade mas pelo menos de
uma parte deles, e evitar os aspectos negativos que as infestações de adventícias normalmente acarretam. Esta opção implica um conhecimento aprofundado da flora existente, nomeadamente da biologia das espécies presentes, da sua abundância, assim como dos meios de luta disponíveis, nomeadamente dos seus custos, das suas vantagens e inconvenientes.

É com base nestes conhecimentos que é possível implementar um sistema de gestão de infestantes que permite uma melhor sustentabilidade da cultura em termos económicos,ecológicos e sociais.

Classificação das infestantes

A classificação das plantas pode fazer-se sob diferentes prismas. No caso em concreto optou-se por uma classificação prática e já com tradições na agricultura, classificando-se as infestantes em:

> infestantes de folha estreita (monocotiledóneas);

> infestantes de folha larga (dicotiledóneas. Esta classificação simplista resulta bastante bem, porquanto corresponde frequentemente à diferente sensibilidade aos herbicidas.Entre as infestantes de folha estreita encontram-
se sobretudo plantas que pertencem às famílias das gramíneas (e.g. balancos, festucas, azevéns, etc.) e cyperaceas (e.g. junças). Ao grupo das infestantes de folha larga correspondem a maioria das famílias pertencentes
às dicotiledóneas (e.g. Asteraceae, Amaranthaceae,
Polygonaceae, etc.). As gramíneas são geralmente de crescimento lento e anemófilas (dispersão das sementes
pelo vento), apresentam uma característica morfológica típica que consiste na protecção do meristema apical pelas folhas da base, que as protege da acção dos herbicidas,
afectando a sua eficácia, o que obriga a ter em atenção o estado fenológico em que encontram de modo a “acertar” na “janela de oportunidade”.

Outra classificação prática e útil refere-se à biologia das infestantes:
> Infestantes anuais (Outono-Inverno e de
Primavera-Verão);Infestantes bienais ou bianuais;

> Infestantes vivazes ou perenes. São infestantes anuais as plantas que germinam, desenvolvem, florescem e frutificam
durante um período que não ultrapassa umano. Nestas podemos ainda distinguir as de Outono-Inverno e as de Primavera-Verão. Pertencem ao primeiro grupo as infestantes que germinam no Outono ou no Inverno e frutificam na Primavera ou no princípio do Verão, ficando as sementes dormentes no
solo durante o Verão. Um grupo significativo destas infestantes mantém-se durante o Inverno sob a forma de roseta. As de Primavera-Verão germinam na Primavera, crescem
ainda na Primavera e também no Verão e frutificam, normalmente, no Outono, ficando as sementes dormentes no solo até à Primavera.

> As infestantes bienais são as plantas que vivem mais do que um ano mas menos de dois. Estas, iniciam o seu desenvolvimento no Outono, produzindo raízes e folhas durante a primeira estação. Posteriormente, dá-se a floração e produção de sementes, ocorrendo a sua morte no Outono do segundo ano. Durante o primeiro ano não vão além do estado de roseta, em que permanecem durante o Inverno. Aparentemente, necessitam de baixas temperaturas para iniciarem a floração e a frutificação.

Como infestantes vivazes consideram-se as plantas que vivem mais de dois anos, e que renovam total ou parcialmente a parte aérea anualmente, podendo manter-se quase indefinidamente. Além da reprodução por semente, a perpetuação destas infestantes vivazes é assegurada por reprodução vegetativa através de rizomas, estolhos, raízes, tubérculos, bolbos e bolbilhos. Estas espécies iniciam o seu desenvolvimento na Primavera, como o escalrracho (Panicum repens) e as junças (Cyperus spp.), ou crescem durante o Outono e mantêm-se dormentes durante os meses mais quentes do Verão. Muitas espécies perenes acumulam reservas, nos períodos de crescimento, em rizomas, tubérculos ou estolhos, que funcionam como estruturas de sobrevivência, em períodos de dormência, durante o Inverno ou Verão. Estas espécies, designadas vivazes, renovam anualmente os seus caules aéreos.

Chama-se a atenção para o facto desta classificação não ser rígida, uma vez que algumas espécies enquadram-se num ou outro grupo consoante as condições de desenvolvimento
a que estão submetidas.

Biologia das infestantes

O perfeito conhecimento da biologia das infestantes é da maior importância na medida em que constitui a base para a adopção de medidas de controlo mais eficazes do ponto de vista biológico, económico e ecológico. O conhecimento do período de germinação e emergência, é essencial, na maioria das situações, para a obtenção da máxima eficácia dos herbicidas. Também o conhecimento do modo de reprodução é fundamental, nomeadamente, na escolha do(s) herbicida(s), e do tipo(s) de mobilização e período(s) em que deve(m) ser aplicadosA reprodução das plantas pode fazer-se através de semente ou por via vegetativa. A maioria das infestantes que constituem o elenco florístico das vinhas são plantas que se reproduzem por semente. O controlo destas espécies revela-se, na grande maioria das situações, bastante mais fácil do que aquelas que o fazem por órgãos vegetativos. Convém, no entanto, ter presente que o número de sementes acumulado no solo (banco de sementes) pode atingir valores da ordem dos 870 milhões por hectare. Caso não houvessem novas adições, a viabilidade destas populações diminuiria anualmente entre 20 e 50%. Esta diminuição deve-se frequentemente à morte natural das sementes, à destruição por microorganismos, e à própria germinação natural. Outro aspecto que deve ser tido em consideração é o de algumas espécies produzirem sementes em números verdadeiramente astronómicos, que no caso se tratar de uma espécie nova na parcela, ou de uma espécie particularmente competitiva
será conveniente dar-lhe uma atenção especial.

Uma única Figueira-do-inferno (Datura stramonium) produz 30 000 sementes e uma erva-moira (Solanum nigrum) 50 000. Deve
ainda ser tido em atenção o escalonamento da germinação, isto é se se tratam de espécies com emergências concentradas ou se pelo contrário se estendem no tempo, uma
vez que estes aspectos têm influência na escolha e no período de aplicação dos herbicidas, e/ou no tipo de e época de execução das mobilizações.

Outro aspecto a ter em conta é o facto das mobilizações de Verão serem, na maioria das situações, ineficazes para a maior parte das infestantes. Do mesmo modo, é inútil aplicar um herbicida de pré-emergência ou de contacto antes das espécies a combater terem atingido o principal
período de emergência. Este último aspecto é particularmente relevante nos tratamentos herbicidas realizados na Primavera em terrenos infestados por erva-moira (Solanum nigrum) ou erva-pessegueira ( Polygonum).

Propagação vegetativa

Muitas infestantes vivazes asseguram a sua propagação por diversos processos vegetativos, nomeadamente através de estolhos, rizomas, raízes, bolbos, bolbilhos e tubérculos.
Tratam-se de adaptações do caule ou da raiz, dispondo de gemas hibernantes e/ou de reservas que podem suportar, sem morrer, condições ambientais desfavoráveis constituindo,
assim, eficientes mecanismos de sobrevivênciadessas infestantes.

Por forma a esclarecer alguns conceitos relativamente aos diferentes tipos de órgãos vegetativos das plantas, de seguida definem-se os diferentes tipos de órgãos que as infestantes possuem associados a alguns exemplos.

Estolhos – caules rastejantes, que enraízam nos nós (e.g. Poa trivialis)

Rizomas – caules rastejantes, subterrâneos, que se distinguem das raízes por possuírem folhas escamiformes que envolvem as gemas e que podem permanecer dormentes ou
dar origem a ramificações do rizoma ou lançamentos aéreos (e.g. Mentha suaveolens). A grama (Cynodon dactylon) , uma espécie cujo combate é particularmente difícil, possui
parte do caule estolhoso e parte rizomatoso.

Raízes pastadeiras – raizes subterrâneas, mais ou menos dispostas na horizontal, permanecendo junto da superfície do solo, e que dão origem a rebentos aéreos ou a raízes que
penetram verticalmente para maiores profundidades (e.g. Convolvulus arvensis – as raízes hibernam, morrendo os lançamentos aéreos)

Raízes tuberosas – raízes que apresentam uma consistência carnosa e são normalmente volumosos; constituem órgãos de reserva e apresentam formas variáveis. Este tipo órgão
é frequente em infestantes bienais (e.g. Daucus carota, Rumex crispus).

Bolbos e bolbilhos - caules, muito curtos, subterrâneos
e envolvidos em folhas escamifor-mes, por vezes espessas (e.g. Allium vineale, Oxalis spp., Ranunculus ficaria)
Tubérculos - caules volumosos não muito alongados, ricos em reservas e desprovidos de raízes, o que os diferencia dos rizomas tuberosos, (ex. Equisetum arvense).

Embora geralmente menos importante, ou até mesmo inexistente, a propagação por sementes das espécies vivazes poderá ter um papel relevante no início das infestações e na
manutenção da variabilidade genética permitindo a sua adaptação a novas condições ambientais.

Identificação das infestantes
A identificação das infestantes constitui uma etapa decisiva para a escolha dos meios de luta a adoptar e na definição do período em que devem ser aplicados. De uma forma genérica é conveniente, e frequentemente decisivo, que a identificação seja feita nas primeiras fases da vida das infestantes, uma vez que a eficácia dos meio de luta depende frequentemente da fase de desenvolvimento
em que se encontram. Desde a germinação até à senescência e morte das plantas, estas passam por diferentes fases de desenvolvimento, que de uma forma sintética podem resumir-se em sete estados fenológicos no caso das dicotiledoneas e em 10 estados no caso das gramíneas.


fotos: Prof. Ribas Vidal (V.F.R.G.S. /Brasil-Artigo retirado do Manual Bayvitis e tema Comunicação do Fórum Bayvitis/Évora.)

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