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A traça da uva

24/07/2012, Prof.Raul Rodrigues (E.S.A.Ponte Lima)
A traça da uva

Existem duas espécies de traças-da-uva no entanto, apenas a Eudémis Lobesia Botrana (Denis & Schiffermüller) é considerada de importância económica nalgumas regiões vitícolas.

Eudémis: Lobesia botrana (Denis & Schiffermüller)
Cochilis: Eupoecilia ambiguella (Hübner)

Em Portugal existem duas espécies de traças-da-uva: a eudémis Lobesia botrana (Denis & Schiffermüller) e a cochilis Eupoecilia ambiguella (Hübner) (Figura 1.), no entanto, apenas a primeira é considerada de importância económica nalgumas regiões vitícolas. A adaptação da L. botrana à videira Vitis vinífera é considerada
como relativamente recente, tendo ocorrido entre finais do séc. XIX e princípios do séc. XX, enquanto E. ambiluella era já conhecida como praga dos vinhedos europeus, desde o século XV.

A eudémis L. botrana abunda especialmente nos países da bacia mediterrânica, o que justifica a sua importância nas vinhas portuguesas. Por sua vez, a cochilis E. ambibuella encontra na Europa Central, as condições mais favoráveis ao seu desenvolvimento. Apesar de ambas as espécies pertencerem a géneros e subfamílias diferentes, estas apresentam um ciclo de vida muito semelhante. Dada a importância económica de que se reveste a eudémis L. botrana, para o país, será dada especial importância
a esta espécie, doravante designada por traça-da-uva.

A traça-da-uva é considerada praga chave, exigindo normalmente nalgumas regiões de Portugal, a realização de tratamentos todos os anos. Trata-se de uma espécie paleártica (regiões temperadas) estando confinada às regiões vitícolas da Europa Meridional e Central, África do Norte, Próximo Oriente, Ásia-Menor, Cáucaso e, desde 2008 no Chile.

Bioecologia
A traça-da-uva é um insecto polivoltino cujo número de gerações varia em função do clima e da latitude. Na parte setentrional da sua área de distribuição, apresenta normalmente duas gerações anuais.

Porém, nas regiões mais meridionais, como é o caso de Portugal, uma terceira geração é completada e, por vezes, em situações de Verões prolongados e com temperaturas persistentemente elevadas, inicia-se a quarta geração.
A primeira geração ataca as inflorescências (geração antófaga), a segunda (geração carpófaga) os bagos nas fases bago de chumbo e bago de ervilha e a terceira (também carpófaga) os bagos na fase do pintor ou já maduros.

O insecto hiberna sob a forma de crisálida em locais abrigados como o ritidoma das cepas, em folhas mortas, no solo, nas fendas dos tutores ou nos cachos que ficam nas plantas após a vindima. Entre os referidos locais, o ritidoma parece ser o preferido para hibernação
desta espécie. A hibernação ocorre nas crisálidas da terceira geração, mas por vezes pode iniciar-se já na geração anterior.

A traça-da-uva é um insecto crepuscular que durante o dia e o resto da noite, permanece oculto e imóvel nas cepas, iniciando a sua actividade ao anoitecer prolongando-se esta por um período de seis horas. No entanto, em situações de baixa pressão atmosférica e céu encoberto, a sua actividade pode ser antecipada.

Primeira Geração: O início do primeiro voo da traça-da-uva parece coincidir com o início do ciclo vegetativo da videira. Assim, no início da Primavera, entre finais de Março e princípios de Abril, quando a temperatura aumenta até aos 12-14 ºC, ocorre a emergência dos adultos, iniciando-se de seguida o primeiro voo. Em condições naturais, as fêmeas emergem sempre um a dois dias após os machos (protandria) sendo a sua longevidade de cerca de 7-12 dias. No entanto, em situações de baixa temperatura e elevada humidade relativa, a longevidade destas pode ultrapassar um mês. Logo após a emergência dos adultos, dá-se o voo nupcial, durante o qual as fêmeas são fecundadas apenas uma vez, enquanto os machos podem acasalar com várias fêmeas. Dois dias após o acasalamento, iniciam-se as posturas que prosseguem durante toda a vida das fêmeas, com paragens de dois a três dias, para maturação dos ovos que se vão formando.

Após o acasalamento, as fêmeas iniciam as posturas de forma
isolada junto da fonte de alimentação das futuras lagartas, sobre as brácteas, os botões florais e mais raramente pedicelos, ou sobre o raquis dasinflorescências, pâmpanos e folhas, sendo difícil a sua observação à vista desarmada. As posturas são feitas de forma escalonada durante um período de cerca de seis dias, findo o qual as fêmeas acabam por morrer. Em condições óptimas, a maior intensidade de posturas ocorre durante os primeiros dias após o acasalamento.

Ao fim de sete a dez dias de incubação, surgem as jovens lagartas que, durante um período cerca de 24 horas, experimentam migrações erráticas antes de começarem a perfuração dos botões florais. Uma vez instaladas no seu interior, alimentam-se principalmente dos primórdios estaminais e do gineceu. Quando o tamanho o permite,
unem várias flores por meio de fios de seda construindo um “ninho” ou glomérulo. Uma vez protegidas no seu interior, continuam o seu desenvolvimento. Após passarem pelos cinco instares larvares que têm uma duração média de 20 a 28 dias, as lagartas abandonam as inflorescências para crisalidar, de preferência sobre as folhas, durando
esta fase cerca de sete a oito dias. Os estragos directos causados pela praga são devidos à alimentação e têm uma incidência geralmente fraca ao nível da produção total, uma vez que a vinha é bastante tolerante aos ataques
causados pela traça-da-uva sobre as inflorescências. No entanto, a primeira geração é decisiva, ao determinar o nível populacional das gerações estivais. Constitui aliás, um perigo potencial, uma vez que são os adultos da primeira geração os que apresentam um potencial biótico mais elevado.

Segunda Geração: Resulta do voo dos adultos da geração precedente. Normalmente desenrola-se entre os estados fenológicos "bago de ervilha" e "fecho dos cachos". Nas regiões Norte e Centro de Portugal, corresponde sensivelmente ao período compreendido entre o final de Junho e o início de Julho. As fêmeas fazem as posturas quase exclusivamente sobre os bagos verdes, durante um período de cinco a nove dias, manifestando preferência pelas zonas mais ensombradas do cacho, de forma a proteger os ovos da dessecação. O período de incubação é mais curto que na primeira geração e pode durar entre três a seis dias para temperaturas situadas entre os 20-30 ºC. Nestas condições, a duração da fase larvar é de 20 a 25 dias. Após a eclosão, as lagartas penetram os bagos ao nível da inserção peduncular ou junto ao ponto de contacto entre dois bagos adjacentes, manifestando preferência pelos que se encontram na parte mais interior do cacho. Ao fim de cerca de 21 dias, as lagartas abandonam os bagos e entram na fase de crisálida, dando origem posteriormente aos adultos da geração seguinte.

Terceira geração: Esta geração resulta do terceiro voo que tem início entre finais de Julho e início de Agosto. Tal como na geração anterior, as fêmeas fazem as posturas sobre os bagos que estão a entrar na fase de maturação e que vão servir de alimento às jovens lagartas. As mordeduras das lagartas são mais superficiais e em maior número, uma vez que a penetração das lagartas no interior do bago está dificultada pelo próprio meio interno, mais aquoso e açucarado. Nesta época do ano, a duração do dia já é inferior a 12 horas, pelo que as lagartas do instar L5 vão evoluir para crisálidas diapausantes, forma sob a qual irão passar o Inverno, preferencialmente no ritidoma das cepas.

Natureza dos estragos e importância económica
Os estragos causados pelas lagartas da traça-da-uva são muito irregulares, variando de um ano para o outro e também entre as várias gerações anuais, pelo que parece não existir uma relação directa entre a importância das três gerações nem entre as populações dos adultos presentes na vinha e o número de ninhos e perfurações nos cachos. Assim, a um forte voo da primeira geração
pode suceder um voo muito fraco da segunda e vice-versa,
da mesma forma que um voo forte pode ter como consequência,
contrariamente ao que seria de esperar, um débil ataque das lagartas. Uma justificação para estas discrepâncias, baseia-se na influência dos factores abióticos (luz, temperatura e humidade) que caracterizam o clima e o microclima locais e que exercem uma influência determinante sobre a longevidade, a actividade, a intensidade das posturas e, consequentemente, sobre a dinâmica populacional da praga.

As condições óptimas para a actividade e postura da traça-da-uva situam-se em torno dos 22 ºC de temperatura e 40 a 70% de humidade relativa, sendo que as populações mais elevadas podem ser encontradas em situações de Verões quentes e soalheiros. Estes factos ajudam a compreender o porquê de não existir geralmente nenhuma relação entre a importância do voo e o ataque da praga. Os estragos causados pelas lagartas da primeira geração, não
são considerados muito graves, podendo até funcionar como
monda cirúrgica, uma vez que nesta fase vegetativa, a videira apresenta uma elevada capacidade de recuperação. No entanto, e tal como já foi referido, a primeira geração é que vai determinar o nível populacional das gerações seguintes, constituindo um grave perigo potencial, já que os adultos da primeira geração são os que apresentam um potencial biótico mais elevado. Nas gerações estivais, a perda de produção causada pela destruição dos bagos devida a ataques débeis ou médios, podem parecer pouco importantes se apenas forem quantificadas em termos de peso. No entanto, em situações de fortes ataques, estes poderão ser gravemente ampliados em castas, regiões e
vinhas onde são frequentes ataques de podridão cinzenta Botrytis cinerea e de podridão acética, cuja importância económica pode ser superior a 50% da produção, podendo mesmo atingir a totalidade da produção.


CICLO BIOLÓGICO DA TRAÇA DA UVA