Notícias

Erosão Genética da videira: uma catástrofe silenciosa!

29/05/2013, 29-05-2013, Profº Antero Martins - (ISA)
Erosão Genética da videira: uma catástrofe silenciosa!

A perda de biodiversidade em geral, e a erosão genética das plantas cultivadas não são um fenómeno de hoje.




Estes fenómenos têm vindo a assumir contornos particularmente graves em anos recentes, em consequência do progresso tecnológico, da globalização e dos modelos de desenvolvimento das sociedades modernas.
Relativamente à videira, um pico de erosão amplamente relatado na bibliografia terá sido o associado à crise filoxérica no fim do século XIX, tido como causador do desaparecimento de numerosas castas. Até aos anos 70 do século passado não há informação consistente sobre outras situações notórias de erosão genética da videira em Portugal. Mas, a partir daí ocorreram mudanças de
contexto altamente potenciadoras da erosão, embora com incidência diferenciada nos compartimentos intervarietal, intravarietal e silvestre.

As videiras silvestres desenvolvem-se sobretudo nas margens
dos rios e em zonas baixas povoadas por árvores que lhes servem de tutores, pelo que terão estado sob pressão antropogénica desde tempos recuados, enquanto foi crescendo a ocupação dos solos de maior aptidão agrícola pelo homem, ao longo de séculos. Porém, essa pressão ter-se-á atenuado no passado recente, em resultado da
regressão da agricultura observada nas últimas décadas.

Algumas agressões ainda mais críticas sobre este compartimento serão as decorrentes das grandes obras públicas: sobretudo estradas, barragens, e regularização de rios. Quanto às castas, diversidade intervarietal, já desde os tempos da filoxera estas têm vindo a ser preservadas em colecções ampelográficas, nas quais se guardam por longos períodos padrões aproximados das mesmas, evitando a respectiva perda. Ainda assim, um elevado risco de perda de castas persiste, no respeitante àquelas que existirão na cultura desde há longo tempo,
mas representadas por muito poucas plantas e que não foram
ainda identificadas e descritas como pertencendo a castas distintas.

Está-se a fazer um grande esforço para a detecção de
castas raras como as referidas, antes que elas desapareçam de todo, mas há outras forças que contribuem para esse desaparecimento, como são certas medidas administrativas (da UE, do Estado, das CVRs ...), que promovem a renovação das vinhas velhas e a redução do número de castas admitidas à cultura, os processos modernos de controlo de opinião (fazedores de modas), que jogam igualmente a favor da redução do número de castas, e o próprio progresso tecnológico da vitivinicultura, que passa também pela simplificação e homogeneização de processos
(incluindo as castas).

Um risco de erosão genética muito mais sério do que os referidos afecta hoje a variabilidade intravarietal. Essa variabilidade foi criada ao longo de séculos e de milénios de cultura das castas de videira, principalmente por mutação génica, e era dantes mantida e multiplicada pelos viticultores quando enxertavam novas vinhas com garfos apanhados nas vinhas velhas. Foi assim que, tendo uma casta sido geneticamente homogénea ao tempo do seu nascimento (por domesticação de uma planta silvestre,
ou por cruzamento natural de plantas de outras castas), ela se transformou com o decorrer de séculos de cultura numa população heterogénea de genótipos.

Esta heterogeneidade é duma importância extraordinária e permitirá aos vindouros seleccionar as casta em qualquer sentido, para as adaptar a novas exigências dos viticultores e dos consumidores de vinho e até a novos
contextos ambientais resultantes de mudanças climáticas e da pressão de pragas e doenças. Porém, esse processo de criação e de acumulação da variabilidade foi abruptamente interrompido por volta dos anos 80 do século passado, em consequência da introdução da tecnologia do viveirismo, deixando de haver acumulação da variabilidade criada em ciclos de cultura sucessivos. Isto é, todas as vinhas
novas plantadas no tempo presente levam material do viveirista, todo mais ou menos geneticamente idêntico, e aquela variabilidade que nela for criada ao longo dos seus 30-50 anos de vida não é simplesmente utilizada para nada.

A selecção agrava esse quadro, sobretudo a selecção clonal de “banda estreita” de base sanitária, aquela que é mais promovida pela regulamentação de certificação.

Os efeitos erosivos destas mudanças são tais que se pode prever que quase toda a variabilidade intravarietal das castas criada em milhares de anos, poderá desaparecer em pouco mais de 50 anos, se nada for feito em contrário!

Erosão Genética da videira: uma catástrofe silenciosa!